segunda-feira, 10 de maio de 2010

Manifesto: "Pelo Reenquadramento Sacro-Acadêmico da Astrologia" *


A Astrologia é um conhecimento que sofre as vicissitudes de cada época histórica, de seus sistemas políticos, científicos, econômicos e religiosos. A Astrologia que conhecemos hoje é uma herança de conhecimentos cuja origem se perde na névoa do passado. Nomes como Dane Rudhyar e Stephen Arroyo nos aproximam dos ensinamentos originais da Escola Himalaya e dos antigos alquimistas, respectivamente, através de mediadores como Alice A. Bailey e Carl C. Jung.

Mas a exegese e até mesmo uma necessária diluição do saber não devem representar uma redução de conteúdos e aplicações. A Astrologia foi dada em um contexto sagrado e é nele certamente que alcança sua melhor expressão, ajudando a compor instituições superiores, científicas e espirituais.


Existem duas tendências gerais na aplicação deste conhecimento tradicional, uma sagrada e outra profana; uma que alquimiza o tempo e suas energias (Dharma), e outra que apenas busca escapar das vicissitudes do destino (ou Karma).

A primeira não ofende à ética cristã ou a qualquer outra ética espiritual, porque se ocupa de assimilar conhecimentos com um sentido exato de auto-cultura e conscientização, ou seja, um exercício de jnana-yoga (yoga do conhecimento), em termos hindús, e onde o indivíduo segue paulatinamente um caminho espiritual sobre sendeiros demarcados pelos astros e suas energias ocultas. Este é o caminho de Hércules, o herói solar, em suas tantas tarefas redentoras.

A segunda, entretanto, peca por buscar escapar das forças naturais ainda dentro de seu próprio domínio. O destino de todo aquele que assim atua só pode ser o de Prometeu -quem roubou o fogo aos deuses. Porque ao valer-se do escudo da Ciência Sagrada de forma negativa, lhe malversa e sataniza ao pactuar com forças inferiores, terminando preso à terra e psiquicamente desequilibrado (por outra parte, no mito, é Hércules quem termina por salvar a Prometeu de seu destino).

A tarefa do astrólogo moderno, que se depara com um mundo em crise mas tem ante si as informações das culturas históricas, é reintegrar a Astrologia ao quadro geral da Tradição, junto às suas Ciências-irmãs como a Alquimia, a Cosmologia, a Hierofania...

Desta forma, apenas, os horizontes da ciência astrológica serão liberados, e ela pode revelar a sua verdadeira vocação unificante.

Não é fácil renunciar ao êxito mundano da prática astrológica divinatória, e adotar com coragem uma postura mais puramente didática -inicialmente como aprendiz. Muitos querem sair logo "praticando" e até "ensinando". Mas, certamente, quem se apressa a ensinar e a "praticar, tarda em aprender e a "crescer". Entretando, tudo isto é essencial para a evolução do saber astrológico e sua adoção pela Universidade -passo crucial para a chegada da Nova Era. Sem que isto represente um purismo absoluto, porque o problema não é apenas o comércio (que até pode ter seu lugar em uma sociedade sagrada, como já ficou demonstrado no passado), senão a própria qualidade da mercadoria oferecida.

Somente ao aperfeiçoar a metodologia de estudo da Astrologia, e ao mesmo tempo preservar seus padrões éticos, pode-se voltar a postulá-la como uma ciência universal. E, desta forma, observamos que o retorno ao sagrado implica também o reenquadramento acadêmico da Astrologia, e sua valorização enquanto disciplina do espírito, com aplicações sociais verdadeiras.

Pois, se uma sociedade sagrada adotaria naturalmente uma ciencia assim, o oposto também pode chegar a suceder, ou seja, a difusão de um conhecimento superior seriamente administrado, será capaz de gerar uma sociedade espiritual a seu próprio tempo -e é disto que necessitamos uma vez mais e o que, no fundo, todos buscamos.

Esta é, pois, a responsabilidade do astrólogo culto: não entregar sua ciência aos "mercadores do templo", senão preservar sua integridade e função, dedicando-a à nobre causa do progresso interior, para empregá-la não como antídoto externo, senão como instrumento para o fortalecimento espiritual. A forma para realizar isto é somente pela integridade, a qual transforma as energias básicas em forças superiores. Assim se elevam os padrões astrológicos e se os reúne às outras ciências tradicionais.

A própria reinserção da Astrologia na sociedade oficial depende apenas do refinamento de seus postulados, o que implica dizer que depende realmente do reenquadramento em sua origens, junto ao plano geral das ciências tradicionais. A Astrologia isolada é como um relógio sem engrenagem e sem alguém que o olhe: de quase nada serve...

A ciência moderna já apresenta elementos suficientes para acatar os saberes tradicionais como tese, especialmente quando estes são focalizados numa postura nobre, nem dogmática nem aprisionante (mecanicista). A relatividade universal, a dualidade quântica, a holografia e o estruturalismo, são doutrinas que corroboram perfeitamente as ciências tradicionais, e de algum modo serve de suporte histórico às suas Leis. Resta apenas ao astrólogo ter suficiente discernimento e, é claro, unidade de classe, para gerar uma força social de conteúdo global.

Necessita compreender adequadamente a inserção da Astrologia em seu contexto original, se não desejam gerar carma para si e atrasar a evolução do mundo. Devem compreender que a Astrologia é apenas uma linguagem dentro de um Todo cultural sagrado com várias facetas e níveis, e que, ainda que especializado na sua matéria, o astrólogo deve conhecer seus limites e não aprisionar ninguém sob seu poder. Para isto, é necessário crescer em sabedoria e, por suposto, eliminar qualquer dependência de raiz -o que só pode ser completamente realizado no caso dos astrólogos que desejam dedicar-se inteiramente ao seu saber em uma sociedade sagrada, onde o comércio cede naturalmente lugar a uma cultura espiritualmente verdadeira, integrada e progressiva.

O astrólogo integral passa com isto a ter liberdade de sempre desenvolver seu saber, porque já não depende das expectativas inferiores da mundanidade, que deve ser antes entregue ao domínio da religião popular que valer-se de qualquer suporte luciférico na malversação -sempre facilmente encontrável- das ciências sagradas.

O astrólogo verdadeiro, aquele que caminha no sendeiro das estrelas, é um iniciado que deve ascender socialmente de forma digna e cabal, sempre dentro dos princípios que regem a Tradição. E para isto, devem impregnar-se dos cânones sagrados da Tradição em todos os seus aspectos. Não nos espantemos pois que ele se torne um sábio e até um profeta.

O futuro aponta para a restauração das grandes Universidades do Saber, dignas deste nome, como a antiga Taxila dos hindús, a Nalanda dos budistas, a Escola de Crotona de Pitágoras, a Samyen de Padma-Sambhava ou a Vikramashila do sábio Atisha (de onde emanou a suprema doutrina astrológica do Oriente, a ciência Kalachakra, ou "Roda do Tempo"). Tais universidades servirão uma vez mais de berço para o surgimento de sábios que orientarão o mundo no futuro, seres plenamente capacitados para uma existência perfeita de serviço e representantes das idéias de uma sociedade integrada. Tudo isto já existiu muitas vezes, e agora deverá voltar a suceder.

Mas, para tal coisa, não devemos reduzir a Astrologia aos parâmetros mundanos ou profanos: a Astrologia serve para compreender o tempo e suas energias, identificando suas origens, e não para escravizar-nos a ele de uma forma ou de outra. Então, que ela sirva como escada para o aperfeiçoamento cultural da humanidade, gerando a síntese através da ciência dos símbolos, como é a sua legítima vocação. O símbolo está voltando a ser uma linguagem universal, como é de sua natureza. De modo que este movimento em direção à síntese é na verdade uma tendência histórica –o que pode ser também observado astrologicamente–, e só por aí a humanidade encontrará seus caminhos no porvir.

*Publicado na Revista Astrológica MERCÚRIO-3, n° 10, Ed. Índigo, Barcelona, Espanha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário